sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Eu queria....


Eu queria escrever um texto sensacional, inovador, ensolarado. Algo capaz de fazer o caro leitor aí do outro lado sentar no chão de tanto rir, ou desejar arrancar um braço e jogar na tela do computador, ou bater a cabeça repetidas vezes contra a quina da mesa. Ou, quem sabe, até se inscrever para fazer uma trepanação e, depois, dizer pros amigos que o que o levou a perfurar o próprio crânio foi isso aqui, ó.

Eu queria escrever um texto inesquecível, que me alçasse à condição de imortal e me permitisse tomar chá da tarde com figuras sinistras como o Paulo Coelho e o José Sarney, comentando, entre um e outro petit four, como a produção literária da Bósnia independente tem superado qualitativamente os escritores de Macau.

Eu queria escrever um texto delicioso e instigante, mais saboroso e crocante que os crustules que minha avó preparava, mas sem tanta aliteração. Algo que fizesse o público lamber os beiços e em coro berrar por mais no final, levantando os braços, entoando gritos de guerra e ameaçando investir contra a linha da polícia que tenta conter a multidão enlouquecida e salivante.

Eu queria escrever um texto sobre algo de muito original, como a história de um celacanto que é pescado inadvertidamente por um japonês despatriado e devoto de Ogum, que costumava forrar o barco com papel crepom colorido, para que a água se encarregasse de tingir a proa assim, naturalmente.

Eu queria escrever um texto sobre um jovem rapaz que, depois de ser expulso de mais um colégio, zanzeia sem rumo pelas ruas da cidade de Nova York, evitando voltar para o apartamento da família cheia da grana. Ou sobre um caixeiro-viajante cheio de responsabilidades com os pais, que de repente se vê metamorfoseado num inseto monstruoso. Mas essas histórias já foram escritas – e como.

Eu queria escrever um texto sobre exatos 83 dias passados sob os céus do deserto de Sonora, no Arizona, ou sobre a viagem a pé de Dakar a Paris, no contrafluxo dos pilotos do rali, para não ser atropelada pelas costas. Só que eu ainda não fiz nenhuma dessas viagens, embora tenha experimentado outros planos astrais. Mas esses não dá para descrever.

Eu queria escrever um texto que revelasse de uma vez por todas o mistério dos sonhos, da memória ser azul, do trago do cigarro dos outros sempre parecer mais saboroso. Que reunisse as teorias filosóficas de Sartre ao pensamento de Freud, com uma pitada do poder de mobilização das massas atualmente conferido a Justin Timberlake.

Eu queria escrever um texto com um título sobremaneira instigante, por exemplo “Laquê – Ou de como fui parar no banco de trás de um carro abandonado na Route 66, ao lado de dois malucos que eu nunca vira antes mas que agora são meus senhores” (adoro subtítulos iniciados em “Ou de como tralalá...” e que contam todo o final da história, ainda mais associados a um título de palavra única, mas que aparentemente não tem lhufas a ver com a frase logo abaixo).

Mas o que deu para arrumar para hoje foi isso aí.

* * * * * *

3 comentários:

Michel Oliveira disse...

Que bom que no final das contas conseguiu escrever sobre tudo que queria. Só faltou um prostituta virgem...

Leandro Santolli disse...

ahuahuahua
acho a idéia digna !

Anônimo disse...

A meu ver, conseguiu. Ficou muito bom.

Legal teu blog. Primeiro feedback positivo que o twitter me dá. :)

Bjo

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