quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Nostalgia purpurinada


Sempre detestei fazer prova.
Até hoje, crescido, tenho horror de me envolver com qualquer espécie de teste. Fazer trabalho de escola, por outro lado, eu adorava! Isso sim era jeito de provar conhecimento: você lia sobre o assunto, separava as partes mais importantes e passava para o papel pautado. Muito mais sábio que esse “ctrl+C, ctrl+V” que os "inteligentes" fazem hoje com a Internet. E ainda tinha direito a empetecar a coisa toda.
Tirando a dificuldade que eu tinha de começar o trabalho com antecedência – deixar para amanhã o que se pode fazer hoje é meu nome do meio –, achava divertidas todas as etapas do processo. Definido o tema, era só partir para a ação e começar a impressionar colegas e professores.
Lá em casa, a estante era cheia de livros, mas nem todos serviam para fazer trabalho de escola. Por outro lado, minha vizinha Alívia era a feliz proprietária de uma coleção completa da Barsa, o centro de saber máximo para dez entre dez estudantes. O negócio era escrever sobre citoplasmose? A Barsa ensinava. Precisava dissertar a respeito de Rui Barbosa? A Barsa era biografia completa.
Como não se podia deixar de adquirir uns volumes desses, recebemos afinal a coleção “Conhecer”. Não era a mais prática para aqueles trabalhos batidos do colégio – que só queriam saber de Tiradentes, golpe de 64, escravidão e café – mas quebrava um galho. Bom mesmo, porém, era conseguir uma boa alma que me levasse até a biblioteca.
Ô lugarzinho divertido, a biblioteca! E nem digo isso para puxar o saco das funcionárias tão gentis da biblio da minha faculdade, excelentes profissionais da organização desses lugares.
Sempre achei bacana mesmo encontrar aquelas mesas grandes e livros à vontade, prontos para serem dissecados e copiados direto para o meu trabalho. Mas como só o bando de letrinhas deixava a folha sem graça, entrava em cena minha “porção fru-fru”.
Certa vez, quando eu estava na segunda série do primário, minha mãe foi na reunião de pais e mestres da escola. Ao perguntar para a professora sobre o meu desempenho naquele ano letivo, ouviu a resposta: "o Leo é um ótimo aluno, mas os trabalhos dele são até pesados de tanto que ele cola lantejoula". Fazer o quê se era caprichoso? E fazer o quê se meu capricho era, digamos, um tantinho além da conta? diferente de TODOS os outros meninos da classe, já que a arte era minha melhor amiga !
Para mim, em meus tenros anos de escolinha (no diminutivo mesmo), não bastava ser CDF: tinha que impressionar. Eu era daqueles que se não recebesse um elogio em cada desenho que fazia, ficava emburrado - e se o elogio viesse acompanhado da tão esperada e reluzente estrelinha, que a professora recortava em papel laminado dourado e colava nos melhores trabalhos... ah, a felicidade. Assim, usava e abusava dos recursos que eu tinha ao alcance de minhas mãozinhas. A caixa de lápis de cor de 36 unidades da Faber-Castel (aquela com duas gavetas) era minha maior companheira. Meus desenhos eram calculados de forma que todas as cores pudessem entrar. Tá, não eram CALCULADOS, mas eu enfiava todos os tons assim mesmo - principalmente o verde-água e o verde-cana, meus favoritos da caixona.
Tinha coisa mais legal do que pegar um tubo de cola branca, escrever seu nome com o bico e dar pitadas de purpurina em cima para as letras aparecerem em grande estilo? Então.
Lembro-me ainda da febre da caneta de 100 cores. O mecanismo era como a Bic de 4 opções, aquela metade azul, metade branca - mas a criança que tinha essa versão enxuta era considerada loser. O que ligava era ter aquela em forma de foguete (que até parava em pé na carteira), tão grossa que mal conseguia segurar. E para fazer render, escrevia cada palavra da redação com uma cor diferente. Ok viadagem.. mas eu nem pensava nisso.. o lance era ser ou parecer cult ou "vanguardista".
Ficava interessado em qualquer item que pudesse engrandecer o trabalho. Xerocar uma imagem interessante e colar em meio ao texto era o mais simples. Mas também aprendi a desenhar direto na folha. Era muito mais difícil, porque exigia a participação especial de papel vegetal para copiar a ilustração e fazer o transplante. Em compensação, a maioria das professoras caía no truque e elevava a nota pelo capricho. Ou seja: eu podia não sacar nada sobre folclore, mas se desenhasse ali um boi bumbando, estava feito.
É verdade, meninas levavam vantagem ao fazer trabalho. Mas morriam de inveja dos meus trabalhos e artes manuais , artista é artista. Como sempre as crianças artistas são mais inclinadas a dourar a pílula – nem que fosse na base do glitter e das lantejoulas, era facílimo dobrar os mestres apresentando uma capa bem feita. Muitos dizem que não se deve julgar um livro pela capa. Bom, os professores do primário e do ginásio não comprovam isso.
Sempre que fiz capinha com desenho e grampeado com delicadeza ganhei nota boa. Vai ver eles sabiam que, lá dentro estaria a mesma lenga-lenga editada da Barsa, e davam valor não só para o conteúdo, mas para quem usou o tempo também pensando na forma.

Viu o porquê da minha preferência pelos trabalhos? Não dá para unir conhecimento com artimanha estética em uma prova boba.
*
E claro.. Feliz dia dos Professores !
*

13 comentários:

Flávia Garcia disse...

Como sempre, um excelente texto ! Tenho orgulho de ter vc como amigo. Um cara sensacional. Grande beijo =)

cruela veneno da silva disse...

dirceu?

"o Leo é um ótimo aluno, mas os trabalhos dele são até pesados de tanto que ele cola lantejoula"

adorei isso e o texto todo

beijos

Leandro Santolli disse...

ahuahuahuahua
Então...

Val Calazans disse...

Eu lembro das capas de prova que a Pró Rosa mandava pintar, eu me acabava pra ser melhor q vc.
sempre !

Kelly * _ disse...

E o dia em que vc me chamou de Nigrinha, e a professora mandou vc escrever nigrinha e + o significado 1000 vezes no caderno ?
kkkkkkkkkkkkkkk
e vc ainda mentiu dizendo q eu te chamei de corno.
seu peste

Leandro Santolli disse...

Val?
tu lembra das capas q Fagner fazia ?
a TREVAAAAA.

Leandro Santolli disse...

Lembrei de uma coisaaa

" Eu AMAVA fazer a ponta do lápis de cor da Faber Castel
e usar as raspinhas pra fazer colagem"

#prontofalei.

Unknown disse...

melhor q o texto é ainda ver essas confissões suas aqui" Eu AMAVA fazer a ponta do lápis de cor da Faber Castel
e usar as raspinhas pra fazer colagem" foi ótimo...kkkk

Leandro Santolli disse...

Isso pq eu não falei q eu colava casca de ovo tbm neh ?
acho digno !

SuzyMarques disse...

Vc escreve muito bem Leo ,adorei seu texto.Visitarei seu blog com frequência. Bjs querido!

Leandro Santolli disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Leandro Santolli disse...

Suzan Boyle é sempre bem vinda!
Sempre !

Michel Oliveira disse...

Se certas pessoas lessem seu blog diriam que vc não tem humildade literária, kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk. Adorei o texto.

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