domingo, 3 de maio de 2009

Antes das cortinas vermelho-escuras ...

Eu era uma criança tão tímida que conseguia entrar e sair da aula no primário sem dar um pio. (???) . Mas tudo mudou quando eu conheci a Tamires, e ela me arrastou para uma de suas paixões: as aulas de teatro. Na escola em que estudávamos havia uma oficina de teatro comandada pelo Joilson, uma figuraça. Mal sabia eu o que me esperava naquela salinha vazia, a princípio, e depois no palco do anfiteatro construído quando eu já estava no colegial.
Nas oficinas, a gente recebia propostas de cenas ou situações e tinha de criar personagens e diálogos na hora. Ao final, apresentávamos o resultado para... bem, para o Joilson e os outros cinco ou seis gatos-pingados que inauguraram o projeto. Mas isso foi só o começo.
Depois, aumentou a fila de interessados em fingir ser outra pessoa por alguns minutos. As aulas de teatro passaram a ser aos sábados. Pouco depois, inauguraram um anfiteatro na escola. Aos 15 anos anos, no primeiro colegial, fizemos o primeiro espetáculo que foi aberto ao público, e contou com uma platéia razoavelmente maior que nossa meia-dúzia de colegas de classe e o Joilson. Já eram uma outra escola e tal.. assunto para outro post !
A proposta interdisciplinar do ano foi estudar a história de nossa cidade. Então montamos uma peça a respeito disso. Mas, para ter uma pitada de drama, enfiamos também uma trágica trama de amor no meio. E, para ter um pouco de comédia, a Tamires e eu inventamos um número musical tão inesquecível quanto absolutamente nonsense envolvendo os negros e os índios carijós (???) primeiros habitantes desta região .
Eu não sei como aquilo passou a integrar a peça, porque foi bolado na calçada em frente à escola, numa tarde preguiçosa, depois das aulas da manhã. Imaginamos como seria sensacional botar um número tipo “grandes musicais” no texto. E precisávamos falar dos índios. A solução? Criar a música “Os Negros Carijós”, que começava assim:
*
“Quando os portugueses aqui chegaram

Encheram o saco e atrapalharam

Mas agora tudo mudou

O show dos negros carijós aqui chegou”
*
Eu não me lembro do resto, mas sei que a música era cantada por uns dez atores, que dançavam uma coreografia ultra-canastrona (tipo um abraçado ao outro levantando as perninhas, bem à la musical mesmo) junto com a canção. Também não tenho idéia de como aquilo se ligava com o resto, mas enfim.
Além de criar o número-cena dos carijós, Tamires e eu também costuramos (se é que os carijós se costuraram em algum lugar) e intitulamos a peça. Os conhecedores dos meus textos (e títulos referentes) verão que eu já era assim desde pequeno: como a trama envolvia imigrantes italianos, nordestinos, negros e índios, mistura principal do povo da região, tascamos logo um “Macarrão, Vatapá e Abstinência” na página frontal. E a peça foi um sucesso. Bem, pelo menos é o que me lembro...
No ano seguinte, a tarefa foi encenar “Macunaíma”. Minha participação como ator ganhou importância. Se em “Macarrão” eu fiquei mais responsável pelo texto, fazendo umas pontinhas aqui e ali (coisas como “garoto ao fundo da manifestação” ou “taxista suburbano número 8”), em Macunaíma eu tinha uns quatro papéis não-figurativos.
Um deles era o de mãe do Macunaíma.. sim.. mãe mesmo, já que no dia a atriz adoeceu e ngm quis substitui-la..eu era o único a saber a fala de todo mundo e não ia deixar todo o meu esforço ser jogado fora assim sem mais nem menos.. eu fui e fiz a mae ! hahaha ( eu não tinha condição sexual definida . Ressalto !) a primeira personagem a estar no palco. Juro que ainda não sei como fiz isso. Imagine um adolescente de 16 ou 17 anos – aquela fase em que tudo o que você quer é parecer bonito na foto – aparecer vestido de mulher e feia por sinal, coberta com um vestidão largo, feito de saco de algodão, descalça e descabelada, fazendo respiração cachorrinho e gritando descomunalmente sob as luzes da ribalta, enquanto na platéia estão seus amigos da praia, seus colegas de classe que tiveram a sábia decisão de se inscrever em oficinas menos bunda-na-janela (como artes plásticas e música) e sua paixão platônica?
Pois então. Esse fui eu, na noite de estréia de “Macunaíma”. E, curioso, escrevendo sobre isso agora, vejo que botar a bunda na janela foi inexplicavelmente bom . Talvez porque eu sabia que, se escolhesse fazer artes plásticas ou música, teria apresentado uma obra ainda mais duvidosa que minha atuação.
Ou porque eu sabia, intimamente, que música e artes plásticas não me dariam uma história para contar, um frio na barriga para lembrar, uma memória das luzes sobre mim. Ao terminar a peça, se eu não estivesse nela, sabia que ia me arrepender e sentir aquela ponta de inveja dos atores amadores que puseram a cara à tapa e agora recolhiam os aplausos – senão pela acuidade dramática de suas performances, ao menos pela coragem.
Logo depois comecei um curso profissionalizante em teatro e tive que abandonar a oficina. Não pude participar do espetáculo seguinte, uma visão moderna de “Romeu e Julieta” que tinha Nirvana na trilha. Mas saí satisfeito. Meu propósito não era dominar as artes dramáticas, só experimentar o palco.

Vi que definitivamente nasci para ele.

E nem doeu.
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No palco, as dobras pesadas vermelho-escuras da cortina atraem seu olhar com sua superfície hipnótica. Mas o que realmente te fascina e atrai é o que você pensa que possa estar acontecendo por trás da cortina - a luz que escapa pelas frestas, a sugestão de um segredo, de algo que está para acontecer..."

[ Foto : Projeto Teatro no Solar - texto: A vida é sonho - 2008 ]
Proximos Trabalhos :
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* O Doente Imaginário (Texto de Moliere)
* Coletivo ao meu particular (Textos de Elisa Lucinda)
* Sementinha (Teatro Clown)
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Breve !!!

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