domingo, 16 de maio de 2010

Decifre-me ou Adjetive-me


Uma das primeiras coisas interessantes que se aprende na fabulosa faculdade é não ficar aplicando em toda simples frase um adjetivo. Mas só para escrever isso, usei um punhado deles. Tudo bem, não tem importância crucial, porque este não é um texto jornalístico. E lá se foram mais adjetivos. Bom, eu conheço a coerente regra e uso nas minhas reportagens sérias. Mas confesso ser uma fã empolgada dos adjetivos. Daqueles já banalizados, comuns, e dos não muito utilizados, esquecidos, renegados, marginalizados... Ok, eu paro.

Sim, alguns adjetivos são usuais – e aparecem nos predicados que nem chuchu na cerca. Porém é muito mais bacana empregar, na hora de qualificar determinado objeto, uma palavra menos batida. “Batida”, por exemplo, é um adjetivo bem tonto. Melhor seria “uma palavra menos corriqueira”. Ou “trivial”. Não, não é esnobe (ou afetado). É uma forma de exercitar a linguagem.

Está tudo lá no dicionário, basta acessar. Assim: por que dizer que a menina é simpática? Pois se ela pode ser agradável! Uma jovem de companhia prazerosa! Afável mesmo. Bom, no começo, os adjetivos pouco usados podem causar esse estranhamento, como se fossem palavras ditas por um Grão-Duque. Mas logo pega-se o traquejo. Fácil e natural. E lá se foram mais dois. É um vício.

E então os adjetivos pululam na mente e o rapaz bonito fica formoso, um bolo gostoso se torna deleitoso e o jogo engraçado vira um folguedo espirituoso. É questão de prática até ficar bom nisso. Ou ótimo, excelente, batuta.

Gente bajuladora (muito melhor do que “puxa-saco”, hein?) gosta muito de adjetivar. O terno do chefe é elegante, quase garboso. O cliente deu um trabalho árduo, mas no fim a conta foi conquistada de modo magnífico. O senhor quer tomar um drinque após o expediente? Que amável! Fico satisfeito em participar da happy hour. Da hora feliz. Da hora abençoada.

É também uma santa arma para aqueles que gostam de se esquivar. Sabe, não é bom dizer tudo assim, na cara das pessoas. Então o sujeito acelera o carro feito um asno desgovernado, mas é possível dizer apenas “uau, você é bem arrojado”. E a colega de trabalho que puxa o tapete de meio mundo, quando vem perguntar o que a turma acha dela, pode ouvir apenas “bom, todos te consideram bastante engenhosa...” Funciona que é uma beleza.

O jornalismo tem razão em não gostar muito dos adjetivos, porque eles têm essa mania de dissimular o foco das coisas, criar juízo de valor. E também, sejamos claros, existem horas em que não sobram possibilidades. Imagine se o repórter vai escrever sobre um deputado, digamos, de caráter incerto. Quantos adjetivos podem existir para um mero ladrão? Como substantivo ele pode ser gatuno, gaiato, mão-leve. Mas para adjetivar, só na base do inescrupuloso mesmo. E isso é um baita palavrão.

Aliás, eu gosto de “baita”. É melhor do que “grande” ou “enorme”, mais inusitado. “Inusitado” que, por sua vez, é bem melhor do que “novo”, mas não tão bom quanto “extraordinário”. Curioso sempre haver uma palavra mais interessante: “robusto” é melhor que “gordo”, “desabonado” é melhor que “pobre”, “parvo” dá um banho em “idiota”. Nem parecem péssimos adjetivos. Ultrajantes mesmo.

Logo aparecem os seus preferidos nessa área. Dores, para mim, precisam ser “lancinantes”, ainda que se trate de um machucado com dois milímetros. Filhotes e bebês são sempre “adoráveis” ou “encantadores”, não importa nem se tiverem aspecto abominável. “Estranho” e “esquisito” já gastei demais, agora preciso ir mais para o lado do “exótico”, do “extravagante”.

Se quiserem opinião para minha lápide, eu voto por não verbalizar. Saberão mais de mim trocando o “fez” ou o “sentiu” pelos adjetivos. E se alguém aplicar doce, generoso, palhaço ,meio ingênuo, mal-criado, orgulhoso, cabeça-dura, insistente, mimado, risonho ou permissivo, não vai estar mentido. Porque adjetivar engana às vezes, mas diz tudo sobre seu objeto.

2 comentários:

Viviane D'Arc disse...

Nem li tudo, mas adorei seu blog. Chique de doer. Adoro a complexidade pq eu nunca entendo. rs Daqui pra amanhã te mando o cartaz pra você divulgar como vc pediu. xerooo

Anônimo disse...

Ótimo texto. É bom mesmo sair do lugar-comum, e, se não for pela fala, que seja então pela literatura.

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