sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Queridississima amiga vendedora !

Pior do que vendedora “sombra” (o tipo que segue seus passos tão de perto que fica possível até ouvir a respiração dela no cangote) é a vendedora “amiga”. Em 15 minutos de convivência, a moça eufórica vê em você não um mero cliente, mas um colega de infância que há muito não encontrava. Conhece o tipo? Pois eu topei com uma dessas em uma loja de artigos para presentes. E, para o leitor acompanhar o drama, vou transcrever o diálogo tal qual aconteceu.
- Olá, posso ajudar?
- Não, obrigado. Estou só dando uma olhadinha.
- Então fica à vontade!
O primeiro contato vem sempre dessa forma, automático e inodoro. Tanto as vendedoras “amigas” quanto as “normais” começam com o cumprimento padrão. A coisa muda quando, ao perceber o menor sinal de interesse em um produto, ela parte para o ataque.
- Nossa, AMEI a cor do seu cabelo!-
-Ah! Obrigado...
- Que tintura é?
- É uma nova ...
- Puxa, pegou tão bem! No meu não pega nada. Tava até comentando isso para a Natasha hoje mesmo, né, Natasha?
Uma voz surge atrás do caixa. Estampada na cara da moça, a indisfarçável mistura de tédio com indiferença. A pobre devia acompanhar todas as investidas da outra, que provavelmente abordava com a mesma voracidade todos os desafortunados que adentravam o recinto. Natasha se limita a grunhir.
– É..
- Olha essa cor, Natasha! Tô pensando em pintar igual, que cê acha?
- É...
Sem graça, eu trato logo de mudar o assunto.
- Qual é o preço deste boné?
- Como é que você se chama?
- Leandro.
- Leandro, o meu é Karina, tá? Deixa eu consultar o preço pra você.
Pronto. Quando a pergunta sobre preços recebe como resposta uma outra pergunta sobre nomes, o destino está selado. É tarde para fugir, pois a vendedora “amiga” já enlaçou seus oito tentáculos pegajosos e já está considerando você como o mais novo membro de um seleto grupo de camaradas-do-peito. Enfim, depois de checar ela volta com o preço e, vendo minha cara de “caro, hein?”, saca da pérola:
- Esta peça tá saindo muito!
- Ah, que bom.
O jeito é não mostrar emoções. Antes responder qualquer coisa do que olhar bem na cara dela e perguntar “E você acha que eu vou querer gastar tudo isso em um boné que todo mundo tem?”. É sempre melhor não ferir os sentimentos de uma vendedora “amiga”. Saio dos bonés e vou para as carteiras. Estou olhando ums porta-recados quando ela se aproxima com um bolo de reluzentes carteiras na mão.
- Você gosta assim?
- Hmm, não.-
-E assim?
- Hmm, também não.
- E essa? é bem seu estilo.. clássico, moderno, sensual ...! Ó, deixa eu colocar pra você!
Pronto, tudo o que eu precisava, contato físico! Para não fomentar a fera, escolho uma de cor neutra (ou seja, nada daquelas mostradas por ela, cheias de lucutixo e, obviamente, mais caras). Mudo de direção e vou dar uma olhada nos colares. Gosto de uma correntinha com um pingente em forma de "L". Ela pula do meu lado.
- Vem cá, eu coloco em você.
- Ah, brigado.
- Ficou lindo! Combinou com seu cabelo.
- É, mas eu queria que a corrente fosse mais curta.
- Ah, a gente encurta pra você!
- Ok.
Ela então entrega o item para a Natasha. Enquanto isso, engata em mais um papo.
- Adorei seu visual! Diferente.
- Obrigado.
- Cê vai pra balada?
Nessa hora eu juro eu engasgo. O que essa menina quer? Será que é uma cantada? E o que eu vou responder? Que, apesar de aparentar 26 anos, eu tenho 5 a menos que isso? Que sou BI, caseiro, tenho contas para pagar e gosto mesmo é de ir ao cinema? Não, ela vai me achar um alienígena. Melhor despistar.
- Às vezes...
- Então vou te mostrar um broche que as meninos tão usando muito na balada, preso no bolso da calça jeans!
Ela retira da vitrine uma libélula prateada gigantesca, horrorosa.
- Posso colocar?
- Hmm... (olho para os lados, não tem por onde fugir)
Pode...
E em segundos, senhoras e senhores, eu estava com um inseto metálico grudado na bunda.
- Combinou tanto!
- Mas como as pessoas sentam com isso?
- É pra usar na balada, os meninos não sentam, né? Ficam curtindo, dançando...
Gostaria de perguntar se os meninos em questão vão e voltam da balada a pé, mas eis que sou salva pelo gongo: a santa Natasha já havia encurtado o colar. Pago e, depois de mais alguns obstáculos, consigo sair da loja – com uma carteira neutra, um colar e uma amizade sincera que irá durar até o fim dos tempos. Ou melhor, até o próximo cliente chegar.

Um comentário:

Anônimo disse...

bom comeco

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